- Vó, o que é consumo sustentável?
Por que tem que ser assim? Sempre que tenho urgência na
entrega de um trabalho essa danada de filha deixa o menino aqui? Claro que gosto dele, mas justo quando o prazo é menor do que o
tempo? Ela adivinha...
- Querido, porque você não usa um buscador? Está conectado,
não está?
- É que a “prô” não quer pesquisa, quer a gente interaja com
a família, conversando. Vai ser uma apresentação oral para a turma toda.
- E como você interagiu com sua mãe?
- Ela falou que os juros do cartão são insustentáveis. E saiu
prá comprar alguma coisa.
Desisto do prazo. A Beatriz que espere. Afinal, algo ou
alguém que não tenha um botão ON ou ENTER
tem que conversar com essa criança.
- Tudo o que usamos é feito com partes do planeta. Sua
camiseta, por exemplo, é feita de uma planta chamada algodão, que dá um fruto
branco, fofinho. É dele que são feitos os fios. Depois vem várias etapas como
tecer, colorir, costurar, embalar e vender. Prá ela ficar pronta gastou-se água,
solo, trabalho de pessoas, combustível, etc.. As coisas não nascem nas lojas. Ou seja, sua
camiseta tem muitas histórias...
- Minha camiseta é um vegetal? Uau!
- Foi. As coisas se transformam. Essa mesa, por exemplo, já
foi árvore. O plástico do computador pode ter sido um dinossauro.
- Um dinossauro virar computador? Vó, a senhora não errou seu
remédio? Minha mãe disse que a senhora anda meio confusa...
Finjo que não escuto e continuo:
- Plástico vem do petróleo, que se formou pela decomposição
de florestas e animais, há milhões de anos.
Quem garante que no tantinho de petróleo que veio parar nesse plástico
preto aí não tinha um pé de dinossauro? Parece mágica, né?
- Não tem nada de mágica, vó. Assisti um documentário da
história do petróleo no Discovery. Mas isso de uma coisa virar outra é irado!
- Na natureza tudo se transforma. Lembra da cachorra Lola? É
possível que partes dela estejam voando por aí em passarinhos, pois a enterrei
no jardim e plantei em cima a amoreira. A Lola virou terra, que alimentou a
amoreira, que alimenta os passarinhos.
- Menos, vó, menos. A Lola foi compostada por organismos
decompositores e virou húmus. Já aprendi isso na escola. Mas, me ajuda. Tenho
só cinco minutos para falar minha parte e você fala, fala, e não responde de
forma objetiva... O que é consumo sustentável?
Fico pasma com o vocabulário. Tem só tem sete anos e fala
como um técnico. Deixo de lado a poesia:
- É bom saber que
“querer” é uma coisa, “precisar” é outra, e não comprar ou pegar o que não
precisamos. Tudo o que a TV anuncia, por exemplo, são as coisas das quais não
precisamos. Você já viu comercial de tomate ou de laranja? Fica a dica: coisa necessária não precisa de
propaganda. Ou seja, precisamos ficar espertos e recusar tranqueiras que são fabricadas
só para se jogar fora, pois o que a gente joga no lixo não se transforma mais
em nada. Sem chance de transformação. Game
over. Se a gente continuar consumindo nesse pique, vocês, crianças, vão
ficar numa encrenca danada. Consumo sustentável é consumo inteligente e
amoroso. Respeita a Terra, as pessoas, o futuro. Sem desperdícios.
Ele fica quieto, olhando prá dentro. Lá vem bomba.
- Entendi. Minha mãe é insustentável, né? Compra um monte de coisas que não precisa.
Aliás, ela só pensa em comprar, comprar... Até comida fora ela joga! Ainda bem
que ela vai me ouvir falar na escola! Por
falar nisso, você não quer fazer umas panquecas? Estou com fome.
Na cozinha, entre farinha e ovos, meu coração fica apertado.
Onde foram parar as fadas, os gnomos e as bruxas? O gato de Alice? Peter Pan? A
emoção, tão importante na formação da criatividade, não cabe mais na infância? Crianças
concretas, racionais? E a fantasia, como fica? Acabou?
Panquecas prontas volto à sala. Ele digita muito sério.
- O que você está escrevendo?
- Sobre consumo, vó, claro.
-Mas não era uma apresentação oral?
A resposta resgata minha alegria.
- Vai ser. Estou escrevendo para o Papai Noel. Para ele não trazer nada do que pedi. Tomara que dê tempo. Se ele trouxer o que todo
mundo pediu, o planeta acaba. Você tem o e
mail dele?