22/11/2010

Posso ajudar?


ilustração Bia Porto
Entro na sala de espera branca do laboratório. Uma moça vestida  da mesma cor de tudo abre um sorriso também branco:
- Bom dia! Posso ajudar?
- Vim fazer um exame de sangue!
- Convênio ou particular?
- Convênio.
É impressão minha ou o sorriso diminuiu? Fico tentada a dizer - SUS!  para testar. 
Ela pega meus documentos, preenche uma montanha de papéis - que assino sem ler - e pede que a acompanhe por um corredor sem nenhuma bactéria. 
Outra moça quase igual abre outro sorriso igual. A chapinha  consolida a Constituição ao tornar todas as moças iguais.
- Por favor, a senhora pode pendurar sua bolsinha naquele ganchinho e aguardar um minutinho sentadinha ali?  
Desconfio que acabo de entrar no reino de  Liliput.  Não consigo, com meus 1,70 de altura e mais de 70 kg, me imaginar “sentadinha” e sei que o tal ganchinho vai despencar com o peso de  minha bolsa enorme.  Coloco a bolsa no chão e, enquanto espero, fico me perguntando quantos segundos teria um “minutinho”: 30?  40? Minutinho deve ser menor do que minuto, acho eu...
Por fim a  moça – ou seria outra? – entra com uma bandeja e uma seringa.  Faço uma careta.
- Não vai doer nadinha! É bem rapidinho! A senhora pode fechar a mãozinha assim? É só uma picadinha!  Prontinho! Agora a senhora põe o dedinho aqui e aperta para não ficar uma manchinha!
Saio dali diretamente para uma loja de shopping, sentindo-me  pateticamente pequena,  reduzida à imbelicidade. Fonte 8, minúscula.
 - Bom dia! Posso ajudar?
- Gostei daquela blusa branca da vitrine, a decotada. Tem G?
- Tem sim!
A blusa que ela me entrega não entraria  em uma criança de 12 anos.
- E GG, tem ?
A GG que ela traz é um centímetro maior. Modelagem Made in China, acho, feita para pequenas e delicadas chinesas sem silicone.        
- Tem Extra G ? Ou Extra GG? 
- Sinto muito, Extra G não vou ter.
- E hoje, você tem?
Ela me olha como se  eu fosse  um chapéu de sumério, seja lá o que for isso. Explico com toda paciência:
- “Não vou ter” é futuro. O futuro é uma coisa que ainda vai acontecer,  se é que vai. A Terra está esquentando tanto que o futuro passou a ser apenas uma hipótese. Aqui e agora estamos no presente, no hoje.  Você tem ou não tem o Extra G?   
-  Não vou ter. O G é o maior que vou ter. 
-  Mas o G você não vai ter,  já tem.
- É.  Só vou ter esse mesmo.
- Ok. Esquece o tempo verbal, o futuro hipotético, o aquecimento global,  os sumérios  e mostre algo que me sirva!
Ela pesca da prateleira  uma coisa parecida com uma burca cor de band aid.
- Dessa tem roxa? Ou vermelha? Ou laranja cítrica? É que não gosto de tom empadinha!
- Não. Só vou ter essa mesmo.
Saio dali me sentindo enorme, giganta, um horrível ser além do Extra G. 
Vejo a placa de academia e, apesar do pavor que tenho à ginástica, entro corajosamente.
- Bom dia! Posso ajudar? 
- Preciso caber num tamanho GG  chinês.    
- ?
- Preciso ficar menor, emagrecer, sumir!
- Ah... Vou preencher uma fichinha da senhora. Pode aguardar sentadinha ali um minutinho?

Um comentário:

  1. Eu estou entrando nessa praia aos poucos, e ainda nem molhei os pés, mas já me imagino tendo que gritar pelos salva-vidas... Uuu. Adoro sua escrita fina, elegante, cirúrgica e ácida. Estou aqui me sentindo vingado nessas repartições!
    Bjs daqui

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