24/12/2010

Um gato no mercado

Reduzo e dou seta para avisar que vou entrar no estacionamento do mercado. Um carro preto gruda atrás de mim e pisca o farol para me empurrar, apressadíssimo. Seria o Batman? Antes que eu chegue à guarita ele me ultrapassa. Penso um palavrão que senhoras nunca dizem e rumo para a vaga de idosos, já que tenho meu adesivo oficial...
Mas, adivinhem quem está estacionando lá, na “minha” vaga? O batmóvel!
Um garotão bonito desce do carro falando ao celular sem perceber que parou numa vaga pelo menos trinta anos antes de ter o direito a ela.
- Oras, eis o gatinho apressado! E já que eu não estou com pressa alguma, vou brincar um pouco! Melhor do que brigar. – penso.
Estaciono exatamente atrás do batmóvel de forma que ele não possa sair. O gato está preso. Miau...
Saio do carro bem devagar, costas curvadas, pego minhas sacolas retornáveis de Pernalonga e Piu Piu e  rumo ao mercado. Ele me olha surpreso.
- Ei, tia... eu vou sair daqui a pouco! A senhora me fechou!
Finjo que não escuto e continuo mancando vagarosamente. Afinal, tenho 150 anos e as aulas de teatro da Terceira Idade finalmente são úteis.
- Tia!! A senhora travou meu carro!! – grita, vindo na minha direção.
- Ah... é o genro do Elizeu! Fale mais alto! Sou meio surda! Me ajuda aqui, segura essas sacolas!
- Tia, nem conheço o Elizeu, só quero que a senhora tire seu carro dali – grita, mas, no susto, pega as sacolas.
- Já já eu saio.  É uma comprinha rápida.
Continuo mancando com o gato, aflitíssimo, andando ao meu lado. Testo vários carrinhos até encontrar um bem torto e empurro para ele - que não tem como recusar.  
Setor das bebidas, aqui estamos! Vamos lá, a lista é grande: vodka, cachaça, uísque, saquê, espumante, tequila, vinho e cerveja. Coloco as garrafas no carrinho com método: nas cinco primeiras camadas,   garrafas na horizontal. Na última, garrafas em pé. Faz parte do plano!  O carrinho transborda e ele está engraçado com as sacolas no ombro.
- Pô, tia, a senhora tem bar? – pergunta.
- Fale mais alto! Eu? Bar? Não. É que gosto de um drinquezinho! - desculpo-me aos berros. - Venha, vamos ao resto!
Ele olha para os lados, envergonhado, mas me segue, fazendo curvas quadradas.  O carrinho é cruel!
Setor de verduras. Espeto muitas couves, salsinhas e outras folhas entre os gargalos das garrafas. Reservo o espaço central para uma imensa abóbora que circundo com pencas de bananas. Sobre a abóbora, uma maçã verde.  Espalho cerejas, inhames e cebolas roxas sobre tudo. Lindo! Um carrinho paisagístico, coisa de Bienal. As cebolas caem, os inhames rolam pelo chão e ele, claro, vai apanhando e tentando acomodar dentro do impossível.  Me afasto um pouco, tiro o celular do bolso e filmo  a cena sem que ele veja. 
- Vamos! Você não está com  pressa? - e corro em outra direção.
- O carrinho não anda! Está torto! – grita, tentando me seguir.
- Nem carrinho de mercado você sabe dirigir! Devia ter sua carteira suspensa!
O diálogo se dá aos 120 decibéis e ele está vermelho de vergonha, pois temos um bom público.
- Tia, quem não sabe é a senhora, pois travou meu carro! Vou chamar o segurança do estacionamento! – ousa.
- Ok. – falo com voz normal, baixa e incisiva, olho no olho - Você chama o segurança e eu o Departamento de Trânsito. Eles guincham seu carro e você ainda ganha 4 pontos na carteira. Artigo 181, inciso XVIII.  Seu carro está na vaga de idosos.
- ....  - ele fica paralisado. - O bronzeado sumiu?
- Tia... Juro que não vi.
- Se prestasse atenção, veria.  Vou pegar o pão, pois é só isso que eu vim comprar.  Comece a repor cada coisa em seu lugar e quando acabar me avise. Espero na praça de alimentação, mas volto para conferir. Se ficar uma cebola fora do lugar coloco o filme que fiz no Youtube e você vai ser visto pelo mundo todo com essas sacolas ridículas e esse carrinho maluco. Vai ser fácil descobrir seu nome pela placa do carro!  Se for bonzinho deixo você apagar o filme. Ah.... seja rápido, pois em quinze minutos entro no cabeleireiro e vou  ficar duas horas.  Chapinha demora!  





 

11 comentários:

  1. quero morrer seu amigo...adorei.pi

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  2. Querida você está cada vez melhor. Ótimo tudo, a história o relato e a semântica. Ri e enobreci. Bom Natal e mui próspero New Year. Beijão, Roberto Bleier

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  3. Uma amiga me mandou o seu endereço, entrei para conferir...
    Oh, ela está coberta de razão, tens uma bela escrita. Abs daqui!

    Cacá

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  4. Robert Patton25/12/2010, 08:52

    Teu conto me dá idéias. Desde que fiquei tetraplégico enfrento as agruras de discutir com os distraídos que se dão o direito de usar a "minha" vaga para a "compra rapidinha". Já pensei em murchar os pneus de seus tanques mas bloquear suas saídas me parece melhor. Depois te conto como me saí.

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  5. Mulher,
    Vão dizer que é coisa armada das almas... Mas assim, então, fiquemos na combinação das riscas das sedas, só pra não rasgá-las de vez (nunca)... Vamos aos poucos.
    A minha tão amiga, que poderá ser sua (já deve ser, nesta altura), se quiser, é Risomar Fasanaro; tem o link do blog dela la no meu.
    Bjs daqui, já tascado :(=

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  6. Adorei Georgeta!!!!
    Além de entretenimento o conto dá ótimas idéias!!!!
    Bjs

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  7. Demais
    vc escreve macio, com graça, gostei demais. Sua lista de seguidores não está funionando, aliás a NET tá muito ruim.....erro número XYZ.
    Volto depois pra te seguir!

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  8. georgeta , querida !

    voce é impagável...!

    amei o conto , um beijo !

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  9. Bom dia.
    Estou lhe seguindo e voltarei depois para ler com calma.

    Maria Auxiliadora (Amapola)

    Beijos no coração.

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  10. Querida Geor!
    Eu e Risomar estamos sentindo sua falta! Ao menos deixe sair a fumaça, assim saberemos se a moradora está bem. Rs
    Abraços daqui

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  11. Isso aconteceu mesmo???
    Fiquei imaginando a cena, com pena do garoto e querendo te dar os parabéns pela performance e, claro, pela ideia genial! O gato está com trauma de "idosas" em supermercado, rsrsr
    beijos e parabéns.

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