Reduzo e dou seta para avisar que vou entrar no estacionamento do mercado. Um carro preto gruda atrás de mim e pisca o farol para me empurrar, apressadíssimo. Seria o Batman? Antes que eu chegue à guarita ele me ultrapassa. Penso um palavrão que senhoras nunca dizem e rumo para a vaga de idosos, já que tenho meu adesivo oficial...
Mas, adivinhem quem está estacionando lá, na “minha” vaga? O batmóvel!
Um garotão bonito desce do carro falando ao celular sem perceber que parou numa vaga pelo menos trinta anos antes de ter o direito a ela.
- Oras, eis o gatinho apressado! E já que eu não estou com pressa alguma, vou brincar um pouco! Melhor do que brigar. – penso.
Estaciono exatamente atrás do batmóvel de forma que ele não possa sair. O gato está preso. Miau...
Saio do carro bem devagar, costas curvadas, pego minhas sacolas retornáveis de Pernalonga e Piu Piu e rumo ao mercado. Ele me olha surpreso.
- Ei, tia... eu vou sair daqui a pouco! A senhora me fechou!
Finjo que não escuto e continuo mancando vagarosamente. Afinal, tenho 150 anos e as aulas de teatro da Terceira Idade finalmente são úteis.
- Tia!! A senhora travou meu carro!! – grita, vindo na minha direção.
- Ah... é o genro do Elizeu! Fale mais alto! Sou meio surda! Me ajuda aqui, segura essas sacolas!
- Tia, nem conheço o Elizeu, só quero que a senhora tire seu carro dali – grita, mas, no susto, pega as sacolas.
- Já já eu saio. É uma comprinha rápida.
Continuo mancando com o gato, aflitíssimo, andando ao meu lado. Testo vários carrinhos até encontrar um bem torto e empurro para ele - que não tem como recusar.
Setor das bebidas, aqui estamos! Vamos lá, a lista é grande: vodka, cachaça, uísque, saquê, espumante, tequila, vinho e cerveja. Coloco as garrafas no carrinho com método: nas cinco primeiras camadas, garrafas na horizontal. Na última, garrafas em pé. Faz parte do plano! O carrinho transborda e ele está engraçado com as sacolas no ombro.
- Pô, tia, a senhora tem bar? – pergunta.
- Fale mais alto! Eu? Bar? Não. É que gosto de um drinquezinho! - desculpo-me aos berros. - Venha, vamos ao resto!
Ele olha para os lados, envergonhado, mas me segue, fazendo curvas quadradas. O carrinho é cruel!
Setor de verduras. Espeto muitas couves, salsinhas e outras folhas entre os gargalos das garrafas. Reservo o espaço central para uma imensa abóbora que circundo com pencas de bananas. Sobre a abóbora, uma maçã verde. Espalho cerejas, inhames e cebolas roxas sobre tudo. Lindo! Um carrinho paisagístico, coisa de Bienal. As cebolas caem, os inhames rolam pelo chão e ele, claro, vai apanhando e tentando acomodar dentro do impossível. Me afasto um pouco, tiro o celular do bolso e filmo a cena sem que ele veja.
- Vamos! Você não está com pressa? - e corro em outra direção.
- O carrinho não anda! Está torto! – grita, tentando me seguir.
- Nem carrinho de mercado você sabe dirigir! Devia ter sua carteira suspensa!
O diálogo se dá aos 120 decibéis e ele está vermelho de vergonha, pois temos um bom público.
- Tia, quem não sabe é a senhora, pois travou meu carro! Vou chamar o segurança do estacionamento! – ousa.
- Ok. – falo com voz normal, baixa e incisiva, olho no olho - Você chama o segurança e eu o Departamento de Trânsito. Eles guincham seu carro e você ainda ganha 4 pontos na carteira. Artigo 181, inciso XVIII. Seu carro está na vaga de idosos.
- .... - ele fica paralisado. - O bronzeado sumiu?
- Tia... Juro que não vi.
- Se prestasse atenção, veria. Vou pegar o pão, pois é só isso que eu vim comprar. Comece a repor cada coisa em seu lugar e quando acabar me avise. Espero na praça de alimentação, mas volto para conferir. Se ficar uma cebola fora do lugar coloco o filme que fiz no Youtube e você vai ser visto pelo mundo todo com essas sacolas ridículas e esse carrinho maluco. Vai ser fácil descobrir seu nome pela placa do carro! Se for bonzinho deixo você apagar o filme. Ah.... seja rápido, pois em quinze minutos entro no cabeleireiro e vou ficar duas horas. Chapinha demora!
quero morrer seu amigo...adorei.pi
ResponderExcluirQuerida você está cada vez melhor. Ótimo tudo, a história o relato e a semântica. Ri e enobreci. Bom Natal e mui próspero New Year. Beijão, Roberto Bleier
ResponderExcluirUma amiga me mandou o seu endereço, entrei para conferir...
ResponderExcluirOh, ela está coberta de razão, tens uma bela escrita. Abs daqui!
Cacá
Teu conto me dá idéias. Desde que fiquei tetraplégico enfrento as agruras de discutir com os distraídos que se dão o direito de usar a "minha" vaga para a "compra rapidinha". Já pensei em murchar os pneus de seus tanques mas bloquear suas saídas me parece melhor. Depois te conto como me saí.
ResponderExcluirMulher,
ResponderExcluirVão dizer que é coisa armada das almas... Mas assim, então, fiquemos na combinação das riscas das sedas, só pra não rasgá-las de vez (nunca)... Vamos aos poucos.
A minha tão amiga, que poderá ser sua (já deve ser, nesta altura), se quiser, é Risomar Fasanaro; tem o link do blog dela la no meu.
Bjs daqui, já tascado :(=
Adorei Georgeta!!!!
ResponderExcluirAlém de entretenimento o conto dá ótimas idéias!!!!
Bjs
Demais
ResponderExcluirvc escreve macio, com graça, gostei demais. Sua lista de seguidores não está funionando, aliás a NET tá muito ruim.....erro número XYZ.
Volto depois pra te seguir!
georgeta , querida !
ResponderExcluirvoce é impagável...!
amei o conto , um beijo !
Bom dia.
ResponderExcluirEstou lhe seguindo e voltarei depois para ler com calma.
Maria Auxiliadora (Amapola)
Beijos no coração.
Querida Geor!
ResponderExcluirEu e Risomar estamos sentindo sua falta! Ao menos deixe sair a fumaça, assim saberemos se a moradora está bem. Rs
Abraços daqui
Isso aconteceu mesmo???
ResponderExcluirFiquei imaginando a cena, com pena do garoto e querendo te dar os parabéns pela performance e, claro, pela ideia genial! O gato está com trauma de "idosas" em supermercado, rsrsr
beijos e parabéns.